O Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), que circulará na próxima semana, publica editorial com o título “Em Defesa do Estado Democrático de Direito”. Nele, a entidade manifesta sua preocupação com o modus operandi utilizado por algumas autoridades policiais incumbidas da persecução criminal.
Dente outras questões, a entidade discute o uso das interceptações telefônicas. Para a Aasp, há uma utilização “desvairada” deste meio de investigação. Cita também o pedido de prisão da Polícia Federal contra jornalista Andréa Michael, da Folha de S.Paulo, acusada de vazar informação sigilosa. Além da prisão da jornalista, a PF solicitava busca e apreensão de documentos na casa da repórter, que trabalha na sucursal da Folha em Brasília. A Justiça negou o pedido da PF.
O argumento dos policiais era de que a jornalista, há dois meses, teria vazado a Operação Satiagraha. Na verdade, o que os policiais chamaram de vazamento foi uma reportagem publicada na Folha sobre as investigações que resultaram na prisão do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Eles foram soltos depois de decisões do Supremo Tribunal Federal. Em reportagem publicada em 26 de abril, Andréa Michael antecipou que a PF estava investigando Daniel Dantas e outros diretores do banco Opportunity por crimes financeiros.
No texto, a Aasp ressalta que juízes e procuradores que avalizam excessos e ilegalidades estimulam medidas absurdas e truculentas, como esse inusitado pedido de prisão da jornalista. A entidade diz, também, que as informações sigilosas só poderiam ter sido readas pela própria Polícia Federal e classificou o ato da PF como “clara tentativa de intimidar a imprensa”.
“Em razão de tudo isso, a Associação dos Advogados de São Paulo vem a público conclamar a sociedade a repudiar toda e qualquer tentativa de intimidar a imprensa livre, desrespeitar direitos e garantias individuais, frustrar prerrogativas profissionais dos advogados, e fragilizar instituições democráticas. Enfim, de transformar o Brasil em um Estado Policial”, registra a entidade.
Leia o editorial
Em Defesa do Estado Democrático de Direito
A Associação dos Advogados de São Paulo, entidade fundada há 65 anos, e que congrega mais de 83 mil advogados em seus quadros, vem a público manifestar, mais uma vez, sua preocupação com o modus operandi utilizado por algumas autoridades incumbidas da persecução criminal.
Segundo dispõe a norma que regula a interceptação de comunicações telefônicas para prova em investigação criminal e em instrução processual penal (Lei 9.296/96, artigo 2º), a mesma não será itida quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, assim como quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis.
Trata-se de cautela que se coaduna perfeitamente com a garantia constitucional de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, do sigilo da correspondência e das comunicações, de todo cidadão (artigo 5º, incisos X e XII,da Constituição Federal).
Diz, ainda, a Lei de Interceptação Telefônica, em seu artigo 5º, que a decisão que a autorizar deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade, e que a diligência não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo por uma vez, desde que comprovada sua indispensabilidade.
O que se verifica atualmente, entretanto, é a utilização desvairada deste meio de investigação, que redundou no monitoramento, por vários meses, de mais de 400 mil telefones apenas no ano ado, como apurou a chamada I do Grampo.
Da mesma forma, segundo as leis que as regulam, as duas modalidades de prisão cautelar previstas no ordenamento jurídico brasileiro devem ser decretadas apenas excepcionalmente, quando efetivamente imprescindíveis à investigação (prisão temporária) ou como garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, mediante a indicação de elementos concretos e individualizados, realmente aptos a demonstrar sua necessidade (prisão preventiva).
A legislação brasileira, como bem destacou o Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal em recente decisão, não prevê a prisão para interrogatório. E, não ite, da mesma forma, que a prisão antecipada seja utilizada para constranger o investigado a itir sua culpa, para castigá-lo, ou para desmoralizá-lo perante a opinião pública.
É isso o que rezam os incisos LIV (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal) e LVII (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória), do artigo 5º, da Constituição Federal, e exatamente o que diferencia o Estado Democrático de Direito do Estado Policial, no qual os fins justificam os meios, a lei é distorcida e os princípios básicos de justiça ignorados.
É absolutamente inissível que cidadãos sejam mantidos encarcerados e em a ser execrados pelas autoridades, em entrevistas coletivas à imprensa (com exibição de documentos sigilosos e acompanhamento de diligências policiais), sem que seus advogados possam, sequer, ter o aos autos de inquérito policial (o que é, evidentemente, indispensável para o exercício do contraditório e da ampla defesa).
Delegados da Polícia Federal e Procuradores da República são funcionários públicos que devem obediência à lei e aos princípios estabelecidos na Carta Magna de 1988, e não paladinos da justiça, cujo discernimento e imparcialidade estão isentos de contestação.
Magistrados que “combatem o crime” ao invés de julgar com imparcialidade, valendo-se de “via oblíqua” para “desrespeitar” determinações de autoridade hierarquicamente superior, assim como membros do Ministério Público, que criticam publicamente decisões judiciais contrárias aos seus interesses e incitam a população a suspeitar de sua idoneidade, prestam um desserviço à nação.
E, não resta dúvida, Juízes e Procuradores que avalizam excessos e ilegalidades estimulam medidas absurdas e truculentas, como o inusitado pedido de prisão de uma jornalista, por ter divulgado informações sigilosas que só lhe poderiam ter sido readas pela própria Polícia Federal (clara tentativa de intimidar a imprensa), ao mesmo tempo em que encorajam e autorizam, ainda que indiretamente, policiais federais a monitorar, audaciosa e sorrateiramente, o gabinete da autoridade máxima do Poder Judiciário (fato amplamente noticiado nos últimos dias).
Em razão de tudo isso, a Associação dos Advogados de São Paulo vem a público conclamar a sociedade a repudiar toda e qualquer tentativa de se intimidar a imprensa livre, desrespeitar direitos e garantias individuais, frustrar prerrogativas profissionais dos advogados, e fragilizar instituições democráticas. Enfim, de transformar o Brasil em um Estado Policial.
Associação dos Advogados de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico